segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Do vácuo

É com pesar que a gente reconhece que a moça dos olhos profundos não compreende sobre abismos e labirintos íntimos. É com a dor que ela não sente, é com o sonho que ela não interpreta, é com o rugido que ela não solta e nem ouve; com essa imensidão que poderia carregar e talvez até carregue, mas sem tocar-se, sem mergulhar em si. A tristeza de quem não suga o próprio ar degustando cada molécula de oxigênio com os olhos fechados. O mundo exigiria estesia se não fossem tantas as agulhas anestésicas injetadas nas veias por uma mão ousada e desconhecida. Hoje, cremos que corre e pulsa em seu sangue o veneno azedo do insensível. A moça não toca no punho com o polegar. Nem prega com suavidade as digitais na pele de outro alguém. Não enrola línguas com beijos, não desvenda olhares e espelhos, não dança uns passos suavemente loucos e despretensiosos. Embora pudesse. Embora devesse. Embora soubesse.
Penalizados pelo ausente, teu sorriso torto e meu muxoxo contido, a olhamos sorrir. E daquela superfície que tão quilométrica seria não arrancamos ou encontramos ou penetramos dois centímetros. Por que alguns rostos possuem cílios ciganos e pestanas enigmáticas se suas retinas são secas, meu bem? Se sua virtude ou desvirtude são mortas e a inércia preenche o vazio, e desse nada com ene minúsculo (porque o Nada é tão sublime quanto ao Tudo) nem ao menos brota o caos?
Se ela gritasse, talvez eu não suspirasse tão triste. Se ela cortasse, se falhasse a si, se talhasse a pele com canivete ou a madeira com os dentes, se quebrasse, se conseguisse de algum modo passar e transmitir e despertar, talvez você não curvasse as costas enquanto escreve.
Esse mundo e seus fantoches, esse mundo e suas carcaças vazias em vácuo... dos quais somos ventríloquos e sugadores.

Claudia Calado